segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Lugar de poesia é na balada.

Antes do Verbo era o caos: iniciozinho de Junho, e aquele frio desolador pros sem-namorado(a) de plantão (eu). Então foi do frio, de Junho, das querências de desmitificar o fatídico décimo segundo dia desse mês, que surgiu a idéia do nosso Sarau. Ah, e de Mário de Andrade, que emprestou, muito generosamente, o nome "Verbo Intransitivo" pra nossa tertúlia que pretendia propagar, através da leitura de textos com temática específica, o tal do amor num sentido mais amplo, que se conjuga sem objeto direto ou indireto, uma lindeza. Conversa fiada: na hora todo mundo bebeu um vinho bom, comeu o bolo de milho da dona Marlene e leu mesmo o que quis, rs. Mas a simpática alcunha perdurou nas edições seguintes - e, sinceramente, não haveria mais pertinente. O que se vê nessas reuniões é puro amor, minha gente.

A segunda edição tardou mas veio: Outubro, calor, Café Mourad's, com uma receptividade ímpar por parte dos funcionários e administradores do local e um público bem mais numeroso. O Chuva Fina com suas rendições inspiradas e lindíssimas das músicas de Sérgio Sampaio só embelezou ainda mais o evento.

E repercussão e vontade nos trouxeram até a última edição deste ano, realizada em 11/12/09. Dessa vez quem nos cedeu o espaço foi o Gilson, do Studio 27, e tivemos a honra de inaugurar o Sebo Cineclube e trazer à baila o Poesias de Outubro, projeto do William, que com sua namorada Jackie e a amiga Polly, apresentou poesias autorais musicadas com muita sensibilidade. Nossos queridos músicos e amigos de todas as horas: Lelê, Popov, Flavinha e Léo, também tocaram pra gente suas versões de Chico Buarque e de Roberto Carlos. Luan Volpato ainda compôs o ambiente com sua bela exposição de fotos, "Tramas".

E a poesia sempre lá, claro. No mural, sobre a mesa, em papeizinhos embolados nos bolsos das pessoas. Leituras em grupo em plena sexta-feira à noite, e nem era igreja. Gente compenetrada, e nem era futebol. Ê, meu Cachoeiro de Itapemirim.

Quero deixar aqui meu muito obrigada para os amigos que ajudam a organizar, para os amigos que cedem sua arte, seja música, performance, escritos, quadros ou fotografias, para aqueles que ajudam a divulgar, para os cederam espaço até hoje, pros que sempre comparecem, pros que ainda vão comparecer.

E em especial pro meu amigo Luiz, que é co-organizador dessa bagunça boa, mentor criativo, o cara que faz os cartazes lindos, etc etc. Não teria ido a lugar algum sem a ajuda dele.

Abaixo algumas fotos da espetacular Natássya Carvalho, registros dessa terceira edição:




















E Fevereiro tem Verbo IV :)

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Ah, e a despeito do caos e do frio lá de Junho:



:)

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quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

III Verbo Intransitivo



Amigos!

Este mês estaremos realizando a terceira edição do Sarau Verbo Intransitivo e a última de 2009! Desta vez o local é o Studio 27, sede do Cineclube Jece Valadão. Aproveitaremos a ocasião para celebrar a boa nova da instalação do Sebo Cineclube, que será inaugurado no dia do sarau. Haverá apresentações musicais, exposição de fotos e, claro, microfone aberto para declamação de textos.

A entrada é franca e todos serão bem-vindos!

abraços,

Milena

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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Das Delicadezas




Alamanda fora do galho, se tiver botão desenganado na haste, ponha em copo de geléia com dois dedos de água. Deixe sobre uma toalha de renda e não fale muito em volta. Quase esqueça. A flor amarronzece, se acanha e a corola cai. É ignorar, que logo o botão sente ímpetos, se espreguiça no silêncio, acaba abre: pétalas. Ternura hasteia suas bandeiras o dia inteiro no enquanto isso das pessoas. Vide borboletas do manacá desempupando, besouros de esterco trabalhando, a arquitetura das sementes de cipó.


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quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Ao Léu




aquilo ali, meu bem
nuvem de chuva não é:
é gelo flutuando a uns nove mil metros.
cirro é que vem frente fria
logo-loguinho despendurar lençóis.

na boca dele todas as nuvens têm nome
ele sabe dos dias, dos sóis
até depois de amanhã.
capaz enxergar transparências se desprendendo do chão.

tenta me ensinar tudo.

sorrio minhas ignorâncias, satisfeitíssima:
vejo muito licor de anis derramado
vejo muitos fios de açúcar
chumaços de algodão pra tratar machucado
qualquerzinho, meu ou dele.


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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Primeiro Ensaio




porque você é esse transbordamento
de coragem, de amor
essa aragem, prenúncio
esse clamor
de vontades abertas
ofertas
liquidação de coisas boas
dessas que a gente acha e não acredita
remexe araras, prateleiras,
pronto: precisa.
peço pra embrulhar esses olhos claros
esse desejo perene de alturas
nossas tantas reconhecências
levo tudo na concha das mãos.

(loas, então
às intempéries, aos planetas
aos cometas, às mulheres
loas a essa ou aquela canção.
loas às colheres, de chá ou sopa
loas às roupas, à poeira, às janelas
a tudo mais que entortou nossas paralelas
e nos abençoou nessa interseção)





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foto: postcards from italy, beirute.

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quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Notícia




o fogo queimou trezentos barracos.
repórteres anunciam
que incandescências de papelão
levaram as caixas de leite
de Cristina das Dores.

alastramentos alaranjados
labaredas fagocitam, lambem, cospem nada de volta
deixam rastro preto de lesma ácida.
fios delgados de água,
fios delgados de lágrima,
gente se arvorando em milagres.

(câmeras sobem ruelas, alardeam
Beatriz mamando no seio anônimo
da mulher quem nem a conhece.
mas o choro de fome foi sem pedir licença
gotejar os peitos
como tal.
foi milagrear.)

há mais leite no mundo, Dores.
ouça: há.
há leite que brota de gentes
feito nascente, manancial
feito flores.
tem gentes brotadinhas de milagres
de tanto mundo que as perpassa.
dizem, quase tudo é chamas, Dores.
quase tudo passa.

(11/10/09)

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

E a última flor persiste...




O poeta madrilenho Pedro Salinas bem definia a língua de um povo como “a fraternidade misteriosa que cria o feito de chamar desde crianças as mesmas coisas com os mesmos nomes”. Pois é exatamente esse sentimento que experimentamos com o documentário “Língua: Vidas em Português”, dirigido por Victor Lopes, um moçambicano com nacionalidade portuguesa e radicado no Brasil há trinta anos. Sua obra passeia pelo Brasil, Portugal, Índia, Moçambique, França e Japão, e enquanto vai captando o cotidiano de pessoas comuns inseridas em contextos sensivelmente díspares, tecendo uma colcha de retalhos cultural de um viço ímpar e incontáveis nuances, vemos onde tudo se afunila em um ponto comum: todos falam português. Vemos, ouvimos e nos inserimos na mesma enorme gama de mais de 200 milhões de pessoas pelo mundo que, em suas particularidades lexicais e diferenças de sotaque, compartilham da herança lingüística da “última flor do Lácio”.

O documentário de Lopes ainda conta com a participação de ilustres como José Saramago, Mia Couto, Martinho da Vila e João Ubaldo Ribeiro, que vão permeando o fluxo da narrativa com suas reflexões sobre a língua Portuguesa em diversos aspectos: a existência ou não de um Português padrão, se suas mudanças implicam em uma involução ou evolução, a necessidade do ser humano de fazer parte de alguma coisa, e como o idioma vem a se inserir nesse processo de pertencimento. Em meio a tudo isso, um vendedor de balas no Rio de Janeiro usa de seu discurso persuasivo dentro de um ônibus lotado, crianças em Moçambique repetem em coro as falas de uma professora que lhes conta sobre o amanhecer e dois jovens lisboeses comentam sobre a vida na capital portuguesa. O tempo todo o Português é matéria viva e personagem onipresente na proliferação de metalinguagens, simplicidades do cotidiano, crenças, aspirações, angústias.

Não há como passar incólume, depois de assistir a esse documentário, pela sensação muito real de que a língua é um organismo que respira, que se molda, que se reinventa a cada dia através de seus falantes – e os une, também, nessa enorme rede invisível e intercontinental com pareceres de fraternidade perene. Como o sol que sempre amanhã aparece outra vez, na voz das crianças moçambicanas.

Milena Paixão


LÍNGUA – VIDAS EM PORTUGUÊS
Brasil \ Portugal – 2003
Direção: Victor Lopes
Duração: 91 minutos



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Esse artigo foi publicado na Folha do Espírito Santo em 24/09/09, por ocasião da exibição do documentário "Língua - Vidas em Português" no Cineclube Jece Valadão. Não é uma tipologia de texto com a qual estou acostumada, mas tenho um carinho especial por esse documentário e aceitei com prazer a empreitada de escrever um texto sobre ele, divulgando a sessão. Aproveito para parabenizar Gilson e Beto pela retomada das sessões de nosso cineclube e convidar a todos que estejam por aqui numa quinta à noite para comparecer ao Studio 27, às 20:30h, para curtir um filminho bom e um papo agradável.

Abraços!

domingo, 20 de setembro de 2009

II Verbo Intransitivo


Depois da primeira edição, no Centro Operário, vamos realizar nosso segundo encontro no Café Mourad's, com a música boa do Chuva Fina (grupo de músicos cachoeirenses que homenageiam Sérgio Sampaio) e microfone aberto para declamações, declarações e revelações ;)

Todos estão convidados, levem seus textos e pandeiros!

Abraços!

Milena

sábado, 19 de setembro de 2009

Rio Revisited



Para Amélia Barretto


Rio
De um janeiro longínquo
Rio de cristos, de vincos
Na minha existência
Vê se me explica
Se renda
Em todas as suas facetas
E estreite suas alamedas
Até o alcance da envergadura
De meus braços abertos
Que é pra eu sentir a superfície dura
Desses seus segredos.
Deixe-me ir andando e sentindo
Com atenção de ponta de dedos
De um lado o chapisco
A fuligem, o risco
Do outro as curvas das morenas
Dos arcos da Lapa, o riso
A Urca, o mar de Ipanema
E todas as coisas que se tocam:
A bossa, o samba, os corpos
Com suas bocas e falos
Ventando seus mistérios, seu som
Seu tom - Antônio Carlos.
Rio, é sério:
Você, que é tão grande que não coube
Em só uma canção
Foi se alojando, santo e ébrio
Sem sobras e sem cerimônia
Nas minhas horas
Memórias
Meus foras
E meu coração.

domingo, 23 de agosto de 2009

Noite de Festa








Na noite de 21 de agosto soprava um vento frio que não aplacou de forma alguma o calor humano e a alegria que tomou conta do espaço cultural do Yázigi, aqui em Cachoeiro. Contando com a participação de amigos maravilhosos, artistas de primeira linha, fizemos uma festa linda para lançar o Catar-se e, acima de tudo, celebrar a cultura de nossa cidade, que vem florescendo de um jeito que não víamos há tempos por aqui.

















A mim só resta agradecer a todos os presentes - à família de sangue e à família de amigos que estiveram todos lá ao meu lado. Aliás, nunca vi um lugar com tanta gente boa junta! Não teria sido a lindeza de evento que foi se não fosse pelas mãos cheias de zelo de todos vocês.

Por hora, os livros estão comigo e com o Marcelo Grillo, da editora Cachoeiro Cult. Logo deixaremos exemplares em livrarias e outros pontos de venda. Mas para quem quiser adiquiri-los, é só entrar em contato comigo (mizunda@hotmail.com) ou com o Marcelo (marcelloprf@hotmail.com) , que enviaremos os exemplares, com dedicatória.

Ah, e essas fotos foram tiradas pela talentosíssima Natássya Carvalho :)

Abraços, amigos!



terça-feira, 11 de agosto de 2009

Felina


Nasci em agosto
E vim leonina nos cabelos revoltos
Nas rimas que me arrematam
Uma no meio, outra no fim.
Posso dizer que nasci assim:
Unhas que crescem muito depressa
Olhos que enxergam de longe por mim
E cheguei na remessa
De sonhos tenros de um rapaz e uma moça
Casa, varanda, filhos, roupas
Quaradas e estendidas no varal.
Nasci com uma pinta na coxa
Cresci com poucas palavras na boca
Etecétera
E tal.

Nasci em agosto
Com as sete vidas que me cabem
E aceito o fardo de bom grado.
Porque nasci em agosto
Mas se precisar nascer de novo
Eu nasço.

domingo, 2 de agosto de 2009

Catar-se

Era um dia de meus cinco anos e eu era toda felicidade: percebi que podia enrolar a terceira perninha do meu M num caracol de vertigem, uma boniteza sem fim. Enrolava bem fininho até onde minha coordenação de criança pequena dava, mordendo a língua de lado com o esforço bom. Desse dia em diante nunca mais larguei do lápis. Desse dia em diante o tempo passou tanto que eu descobri um monte de coisas, virei gente adulta, consegui emprego, altura, amores. Mas ainda com o lápis na mão e aquela mesma felicidade, venho convidar aos meus amigos, todos vocês, para esse momento muito especial de minha vida: o lançamento do meu livrinho de poesia.




Os agradecimentos são muitos, e todos a quem os devo sabem bem do papel importantíssimo que tiveram nessa realização. Então deixo os beijos e abraços pra hora propícia, e fica aqui meu convite e meu sorriso.

sábado, 25 de julho de 2009

Modernista

a Drummond


Tinha a incerteza no meio do caminho.
No meio do caminho, a incerteza.
E, mais pro lado, a pedra.
Tinha a pedra.

Eu vi a incerteza e franzi o nariz de pena:
A incerteza era um bichinho.
E feio, como era feio, meu deus.
E roía, como roía, com uns incisivos
Que queriam crescer pra sempre
Pra além do seu tamanho
E ainda além.

Enquanto fiquei parada olhando, a incerteza roeu tudo o que podia:
Graveto, plástico, guimba, cacos
Até a pedra.
Ainda não satisfeita, ela chegou pra mim
E deu de roer meus sapatos
Roeu até sangrar um dedão.

Mandei-lhe a pedra no traseiro.

Tinha a pedra no meio do caminho.
E no meio do caminho tinha a incerteza.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas ainda frescas.


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Esse poeminha foi apresentado no Festival de Poesia Falada de Varginha, em junho de 2009, por meus amigos Luiz e Junim. É com muita alegria que divido o vídeo com vocês:



Valeu, meninos!



(tinha que ter uma foto dessa, rs)

domingo, 19 de julho de 2009

Mancha




Naquela manhã cinza o dia foi levando Rita pela mão com maus modos: o café havia dormido mais que ela, por isso saiu de casa mastigando a seco mesmo um biscoito de maisena. No ônibus, não havia lugar pra sentar, na bolsa, não havia trocado certinho, no cobrador, não havia paciência, e nem nas pessoas, educação. Rita se agarrava às suas coisas com uma mão, e com a outra se segurava como podia à barra de um assento, tentando ignorar a inconveniência ocasional das pessoas que, de passagem, se espremiam contra ela. No trabalho, teve dor de cabeça, meia hora a menos no almoço, um sem-número de telefonemas infrutíferos, hora extra.

E, além de tudo, aquela chuva que no fim do expediente, e no meio do caminho, veio encontrá-la sem sombrinha. Fechou os olhos sob a água torrencial, mas não buscou abrigo: preferiu seguir para casa em passos lentos, coração resignado, esperando que junto com a água lhe fossem escorrendo pelo corpo todos os litros de frustração.

Mas, quando finalmente abriu a porta de casa, cumprimentou-a o cheiro inconfundível de bolo acabado de sair do forno. A vida era boa novamente. Chegou à cozinha para encontrar a mãe e a irmã mais nova arrumando a mesa do café. De roupa trocada, toalha sobre os ombros e o mundo de volta aos eixos, sentou-se junto às duas. E lá se foram generosas fatias de bolo com leite recém fervido fumegando nas xícaras - eram três graças de sorrisos enlevados.

Rita pensou no cheiro do leite, no gosto do chocolate, na textura da toalha macia, no sagrado. Pousou olho fixo no bolo de chocolate, como nunca havia feito antes. Era um bolo simples de cobertura, comum nos cafés da tarde, mas cujo gosto supostamente conhecido os eventos do dia haviam feito o favor de acentuar. A moça sentia o cheiro de chocolate e salivava com a boca e com os olhos - que marejavam involuntariamente, e ela tinha que se dar ao trabalho de piscar muito para evitar que as lágrimas simplesmente vertessem contínuas por suas bochechas. O bolo parecia crescer diante dela, ganhando contornos cada vez mais nítidos.

Até que o inevitável aconteceu, a irmã sempre com aquela mania. Rita viu tudo em câmera lenta: a faca se aproximando, o ângulo enviesado, uma lasca grande de bolo se desprendendo irregular, com mais cobertura do que lhe cabia.

A pequena menina lambeu os dedos depois da normalidade do ato.

Rita continuou olhando o bolo, a mãe sorvia o leite folheando uma revista qualquer. E o ar ficou inerte como dizem que acontece logo antes de um grande estrondo de desastre. Deslizamento de lama, choque de trens, terremoto, onda gigante:

"Raio de menina egoísta! Por que não corta esse bolo do jeito certo, como todo mundo faz?"

Não houve resposta. A irmã, atônita, estendeu os braços junto ao corpo e baixou a cabeça, acometida por uma vergonha que desconhecia até então. A mãe, por sobre os óculos, repreendeu a filha mais velha com um olhar duro. E por vários segundos os resquícios da catástrofe pairaram no ar, agonizaram tremelicantes sobre o chão, até que Rita tentou um remendo:

"Não ligue pro que digo. Vem, termine seu bolo, tome lá mais um pouco de leite."

Mas não houve jeito. No ímpeto de servir a irmã, a moça deixou a leiteirinha cair, entornando tudo sobre a mesa. Nessa noite custou a dormir, com a culpa atravessada entre as pálpebras: arruinara uma tela de Rubens.

Choveu por mais dez noites e onze dias.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Amor é Caça-Palavra



a Viviane Mosé


contrário de amor
não é ódio, rancor
não é raiva assassina
chilique, doença
dose de estricnina
nem mesmo indiferença.


contrário de amor
ao menos no meu idioma
eu circulei com vermelho
num dia de chuva:
ROMA.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Sonzinho Bom




Gente :)

O motivo desse post é muito especial. É pra compartilhar duas músicas lindas que amigos meus produziram.

A primeira é "A Um Passarim", letra bonita feita pelo Marcelo Grillo baseada no meu poema homônimo. A melodia base também é dele, e foi trabalhada com muito carinho pelos músicos e cantora (e amigos) Alessandra Biato, Junim D'Paula e Amélia Barreto. A voz primorosa quem empresta é a própria Amelinha.


A segunda é Presente, musicado na íntegra pelo Junim. É um sambinha espirituoso, resposta ao Pingüim de Vinícius de Moraes.

Como não consegui ainda achar um player que funcione por mais de um mês por aqui, vou deixar o link da minha página no Encuca, onde as músicas podem ser ouvidas na íntegra. É só descer um pouco a barra de rolagem e olhar no lado esquerdo. Elas estão lá :)

Quero pontuar aqui todo meu carinho e admiração por esses meus amigos artistas. Obrigada sempre pelo apoio, pelo abraço através de braços e atos.

Seguem abaixo fichas técnicas:

A Um Passarim
Voz - Amélia Barretto
Piano - Marcelo Biato
Violão - Alessandra Biato
Baixo - Fábio Coelho
Programação de bateria - Fábio Coelho

Presente
Voz - João de Paula Junior e Alessandra Biato
Violão - Alessandra Biato
Violino - João de Paula Junior
Chocalho - Alessandra Biato
Moringa - Fábio Coelho

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quarta-feira, 17 de junho de 2009

Bolero



Em nossas caras sãs
O que vejo é isso:
Você segue muito bem
E eu tampouco lhe preciso.
E esse é um ponto pacífico
Em todas as amplas dizências
De comum acordo
De paz mesmo
De oceano de transparências
Nas coisas que se sabem sem esforço.
Daí é um sossego
Uma delícia de desapego
Melhoro da vista e do juízo
Uns bons graus antes perdidos
Vivo espaçosa em mim mesma
Num vai e vem de liberdades
Acendendo idéias
Ordenando fatos
Limpando uns cantos empoeirados
Tomo decisões num átimo
Planejo, ouso, arrisco
Enfim, o máximo.

Mas se acontece de você pousar
Essas órbitas sonsas sobre mim
É o fim.
Fico em evidente perigo
Por dentro reverbera um bolero
Brota-me uma rosa entre os cabelos
Túrgida de uma antítese infantil
Vermelha e sem mistério:

É que eu não preciso
Mas quero.


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(tela de Matisse - Odalisque)

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Poema Cético



Não acredito em carma.
Carma, meu bem, só pode ser um nome
Que há muito inventaram
Pra disfarçar obsessão
Coincidência triste
Ou as duas.
Não acredito em gente
Soberba o bastante pra culpar a lua
Por qualquer mau humor
E dizer que planeta tal
Alinhado com aquele outro
É sinal claro de malogro
Dor de cotovelo
Azar no jogo.
Eu, particularmente,
Não ligo pra borra do café:
Prefiro o gosto forte, o cheiro
O susto quente na língua.
O resto, eu dispenso, sabe como é
Que café nenhum vai ler meu futuro.
Baralho eu jogo é de quatro naipes
Em casa de praia, na roda de amigos
E amuleto eu trago de nascença
E levo sempre comigo:
Amor de pai e mãe
Espalhado no avesso da pele.
Daí pode vir olho gordo, magro
E de todas as cores:
Não noto
Não tropeço
Não engordo um quilo.
Os búzios não me dizem nada
Alem da lembrança boa do mar
E mapa, só o político.

Prefiro assim, nada místico:
Que de inferno
Já basta o nosso de cada dia
De gente chata, mesquinharia
De mil contas pra pagar
Da tristeza da criança no sinal.
Inferno bobo,
Aquele do meu signo com outro
Não quero como bode expiatório:
Me cai mal.

E além disso
O que não me sobra é tempo
Pra sofrer de inferno astral.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Presente


Bom dia, poeta
Estou, sim, com pressa
Não posso parar
Pra dedo de prosa
Não vê que eu levo
Com muito cuidado
Na asinha esquerda
Uma bela rosa?
Bem sei que esse assunto
Sempre lhe interessa
E talvez lhe rendesse
Um soneto de amor
Mas faça o favor
Não puxe o rabinho
Da minha casaca
Pra me amarrotar
Nem feche o caminho
Que faz diferença
Até um segundinho
Se eu me atrasar
E o meu chapéu jaca
Prum ar mais charmoso
Não amasse com tapas
Poeta teimoso!
Só deixe-me ir indo
Que tenho eira e beira
Que tenho destino
E não posso parar:
Eu tenho pingüinha
Pra ir cortejar
Lá na geladeira
Do Seu Serafim
(taí o endereço)
E ficamos assim:
Procure-me lá
Que até lha apresento
(tão linda e formosa
foi feita pra mim)
Mas só não se engrace
Com fala melosa
Que fico nervoso
E ponho-lhe um fim:
Corto-lhe o papo
Dou-lhe um sopapo
Ou eu não me chamo
Joaquim, o pingüim.

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Essa poesia é uma resposta à poesia/música "O Pingüim", de Vinícius de Moraes, e um presente especial à Nayara, minha querida mocinha mal-humorada.

(e, sim, com todos os tremas cabíveis! rs)

domingo, 15 de março de 2009

Dali aos Seis


A menina de seis anos
Estampada num quadro de Dali
Debaixo de um céu degradê
Sou eu, de fato
Erguendo a pontinha do lençol de água
Que dá de recobrir você.
Vou sondando, visão e tato
Se oculta por baixo da pele translúcida
O Aconcágua
Toda a neve da Rússia
Um álbum de retrato
Um peixe
Um cão dormindo?
Ah, deve ser um domingo
Com fedegoso plantado no meio
Amarelo-florindo
Ou pode ser o labirinto
De um minotauro faminto
Esperando,
Sorrindo.

Mas menina de seis anos
Não fica no limbo
Se cansa de mistério exacerbado
Tem outras coisas no mundo por fazer
Além de erguer o tapete assoberbado
Que dá de recobrir você.
Então, mais por fastio que por medo
Ela solta de vez aquela ponta de mar
Se apruma, sem cerimônia
E se afasta, como lhe convém
Em busca de outros brinquedos
Pois sente na carne tenra
Que ainda é dia
E ainda é cedo.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Sulla Rabbia




Lista delle cose che mi fanno rabbia:

Sgranare un dito nella finestra

Bruciare la mano nella pentola

Avere nella gamba una macchia viola

Macchiare la gonna più bella

Vederti insieme a "quella".


Ma l'odio... l'odio, no.

L'odio paralizza, fa la vita diventare un dolor.

L'odio oscura il giudizio.


Già, la rabbia, fa appena ciò:


Raccogliere il dito fra le labbra

Usare pomata invece delle piante

Rimettere gli spessi pantaloni

Provare la ricetta delle nonne

Deviare lo sguardo e proseguire avanti.


E soltanto questo.



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Essa belezura em italiano é uma versão feita pelo Marcelo Grillo, para esse poema aqui.


Ando bem devagar com as atualizações - mais que o de costume, rs. Por uns tempos ainda, vai continuar assim. Mas tem motivo bom: junto à editora Cachoeiro Cult, vou lançar meu primeiro livro este ano! Só tenho a agradecer a essa editora maravilhosa pela acolhida e o apoio que sempre me deram. Renata, Marcelo e Evandro, muito obrigada. Marcelo, um obrigada em especial a você pelo entusiasmo com que tem trabalhado nesse projeto. E Diego, obrigada por estar me ajudando com sua belíssima arte, que sempre admirei :)


Obrigada também a todos que visitam este blog, também são grandes incentivadores. Mas o melhor de tudo foi que me estenderam pontes e abriram portas para seus próprios mundos, o que me enriquece cada dia mais.


A cada um dos meus amigos tão queridos, um obrigada perene :)

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Sobre Nós

foto por Leandro Carmelini




É sempre a mesma história
Estampada nos rostos
Nas reentrâncias das mãos
Nas pintas dos corpos
E brotando pela aorta
Desde a invenção da roda


E da corda
(assim vai):


Num ponto escuro da corda
Entranhado no complexo de fibras
O hipocentro de um tremor
Atordoa lados opostos
Que de repente se aproximam
Se animam
Se enroscam
E seguem caminho
Pensando continuar cada um dele mesmo
Como sempre, sozinhos
Mas quem entende?
Se no âmago da corda
Ali, onde não se atina
Onde o início de uma ponta se dá
E a outra termina
Há algo explícito perturbando a calmaria
Da antes plana geografia:
Nós.
Mas é que a corda é comprida
Comprida de dar o dia
De atravessar noite, abraçar o mundo
Por isso esse desejo fundo
De tecer amarrinhas
Pra distrair um destino
Assim, tão retilínio
Tão certinho
sem sobressaltos.
Então, daqui até o último planalto
De uma à outra extremidade
São nós pra perder de vista
Nós que nos amamos
Furor no meio da reta
Cheirando a subversão
E nós que perdemos a graça
do apego, da comunhão
E somos somente aperto
Sem sossego, sem voz.


Pra esses últimos
Ainda resta o bálsamo
(mesmo que não venha veloz)
Da certeza universal
Provada e comprovada
Por aqueles que já viveram
Até a solidão mais atroz:
A de que pelo seu
E pelo meu bem
(é sempre a mesma história)
O tempo desata os nós.
O tempo desata-nos.